No alto do
Morro dos Uivos, na Transilvânia, perto do castelo do Conde Drácula, está
localizada a casa do Dr. M, um corcunda, cientista e considerado maluco, que
vive solitário, apenas a companhia de suas experiências. Seu laboratório é
grande e mal cuidado. Espalhadas por quase toda parte há diversas macas, mesas,
dezenas de tubos de ensaios de vários tamanhos e diversos trecos indefinidos.
No teto uma lâmpada ilumina mal o local.
Dr. M. não
está em seu laboratório, mas há alguém ali. Um menino de dez anos, seu nome é
Pablo. Ele estava parado no sinistro laboratório do doutor, seus olhos corriam
cheios de curiosidades pelas paredes e objetos. Ao se aproximar, ele percebeu
então que em três macas havia corpos cobertos por lençóis amarelados que
repousavam mortalmente. O garoto permaneceu parado à espera do Dr. M, tinha
muita vontade de mexer e fuçar, porém sempre lembrava que sua mãe vive dizendo
que é falta de educação mexer nas coisas dos outros, sobretudo na casa dos outros e mais
ainda na ausência dos outros.
Foi então que uma
porta do cômodo se abriu e o doutor M entrou caminhando com dificuldade por
causa de sua perna manca. Seu jeito corcunda e o rosto torto, resultado de um
derrame, podiam assustar qualquer criança, mas não à Pablo.
- Então o
garotinho quer um bichinho de estimação. – disse o corcunda, não era exatamente
uma pergunta, era como se continuasse uma conversa já começada. Quando ele se
aproximou o garoto pode sentir um cheiro adocicado de remédio que parecia vir
do doutor.
- Quero sim,
senhor – respondeu educadamente.
O Dr. Olhou
fixamente para os olhos do garoto que percebeu que o olho direito dele era mais
redondo e tinha o dobro do tamanho em comparação com o do olho esquerdo, “por que será?”, ele se perguntou.
- Tenho uns
especiais aqui – explicou dando as costas ao garoto, virando-se para a primeira
maca.
- Você não
teria um morcego?!
Dr. M fingiu
não ouvir e puxou o lençol da maca, onde Pablo pode ver com clareza algo que
jamais pensou que veria a não ser na tevê ou em livros. Ali deitada havia uma
múmia. A princípio ele achou parecido com uma estátua pelo aspecto duro e
imponente. Subitamente a múmia pulou de um salto, assustando o garoto. Mas não
o atacou, ao invés ela começou a dançar de forma desconexa e completamente sem
ritmo ou ginga. O garoto não se aguentou e começou a dar gostosas gargalhadas,
deixando o doutor sem jeito diante da dança zumbi.
- Essa está em
construção! – explicou ele agarrando um dos braços da múmia dançante e
arrastando-a para longe de seus olhos.
- Ela é um
pouco alta. Você por acaso não teria um cachorrinho?! – disse Pablo.
O doutor lhe
lançou um olhar sério, aquele tipo de olhar que mamãe lança sempre quando ele
mente que lavou as mãos antes de comer, e ao contrario de mamãe o doutor não
ralhou com ele, apenas disse:
- Veremos – e
caminhou até a segunda maca e puxou o lençol.
Dessa vez um
lobisomem manso pulou para o chão e sentou como se fosse um cachorro carinhoso.
Usava o que restava de roupas de gente, uma camiseta listrada e uma bermuda
bege, ambas rasgadas, na cabeça um boné de aba virada para trás dando-lhe um
aspecto maroto enquanto balançava o rabo freneticamente. Novamente Pablo não se
assustou, aliás ele adorava histórias sobrenaturais. Ele tirou uma bolinha de
borracha de um de seus bolsos, mostrou ao lobo, que ficou de olhos atentos, e
jogou longe. Rapidamente o lobisomem correu atrás da bolinha e mais rapidamente
voltou, mas não trouxe a bolinha consigo, não. Ao invés trazia à boca uma das
pernas da múmia, fazendo o doutor arregalar os olhos e balançar a cabeça
negativamente. O lobo soltou a perna da múmia aos pés de Pablo e sentou diante
dele balançando novamente o rabo como se aguardasse uma nova jogada, o garoto
apenas acariciou sua cabeça. Os olhos castanhos do lobo brilharam parecendo
sorrir e pareciam conversar com ele, uma conversa sincera e sem palavras.
- Agora vamos
ao último – disse o doutor M.
Quando ele
puxou o lençol da última maca Pablo viu um Frankenstein verde de cabeça
quadrada, este diferente dos demais não se mexeu, aliás parecia dormir.
Dr. M com uma
chave apertou um parafuso frouxo na jugular de Frankenstein que de repente
abriu seus olhos que eram cada um de uma cor, esticou os braços para sua
frente, como um sonâmbulo, e em pé saiu andando em linha reta sem perceber
exatamente onde estava indo. Foi andando, andando, andando, não vendo a parede
a frente bateu com tudo e caiu para trás totalmente nocauteado.
O doutor então
decepcionado que nenhuma de seus três experimentos estavam assustadoramente
suficiente nem para dar medo a uma criança de dez anos, foi até o Frankenstein
e começou a examina-lo.
O garoto
voltou sua atenção às macas onde repousavam os experimentos e percebeu que
havia etiquetas em cada qual. Ele puxou a etiqueta da maca do meio, a do lobisomem
e leu:
Nome: Romulo
P. P.
Idade: 10 anos
Valor: US$
1.000,000
- Ah... esse
vale muito...- pensou ele.
- Acorda Pablo
– chamou uma voz.
O garoto
sonolento abriu os olhos, não tinha certeza de onde estava. Encontrava-se na
sala de aula. Havia adormecido na carteira, a turma toda o olhava. Seu amigo
Rômulo da carteira atrás quem o cutucará acordando-o. Na frente da sala a
professora de Língua Portuguesa o olhava por cima dos óculos, mas não parecia
brava.
- Dormindo de
novo, sr. Pablo?!
- Desculpe
professora – disse ela baixo, mas o suficiente para ser ouvido, morrendo de
vergonha.
- Você está
bem? – perguntou seu amigo da carteira ao lado que estava com o braço
enfaixado.
Pablo respondeu
que sim, mas estava intrigado. Tivera um sonho engraçado. Não conseguia lembrar
exatamente de tudo, mas tinha um corcunda e uma múmia, talvez.